terça-feira, 2 de agosto de 2016

dispersão



O esperado da minha parte era um pedido de desculpas (bem tosco) e um sorriso acanhado, depois das desculpas aceitas você me abraçaria ou me daria um soco, como o pagamento justo por todas as merdas que fiz. Eu iria embora satisfeito por saber que não sou uma pessoa má, teria a certeza que toda agitação e grosseria era só o medo de você saber o óbvio, que eu faria qualquer coisa pra ficar mais perto de você, que morro de vontade de ir te visitar no teu bairro e sempre lembro de quando você combinava a caminhada até o metrô no final do dia.
Queria ter ido embora há onze dias, mas seria como sair da cama às 4:00 da madruga no inverno. A gente sabe que ameaça cair um temporal de pedras pontudas que cortam tudo, destroem cabeças. Eu to tentando construir algum abrigo improvisado, porque acho que não suportaria ver você machucada debaixo dessas pedras atiradas pelo céu cinza.
Você pode até dispensar e achar inútil minha tentativa desesperada, eu sei que é meio ridículo isso tudo. Esses dias fez um ano que uma chuva feito essa caiu e me cortou todo, até raspei a cabeça por causa dos cortes e tive que ficar em casa sem sair até tudo começar a cicatrizar.  
Faz onze dias que o vento sopra forte tentando meter medo na gente.
Eu juro que assim que o céu abrir eu vou embora morrendo de vontade de ficar.


sábado, 21 de maio de 2016

Outras mortes



...pelo menos era isso o que Wanderson pensava, de fato ele  nem lembrava como tinha acabado ali, morto.

Aliviado, descansado...

Outra possibilidade de morte teria sido um atropelamento por ônibus quando voltava do trabalho, andando descuidado com fones de ouvido, atravessando a rua mal sinalizada sem faixa de pedestre nem semáforo umas  três quadras já perto de onde morava nos fundos de um sobrado na periferia.
Morte instantânea e violenta como se fosse uma vingança do acaso, ou talvez o destino que teria criado coragem para enfim afirmar o seu sarcasmo.  

Uma vez morto já não importa quase nada, ou nada em sua totalidade.  

Mas isso também era incerto...
Era uma alma levada à revelia dos fatos que vivenciava.
O que se pode afirmar é o seu niilismo hormonal, sua preguiça e desprezo em ter uma vida a se viver (ou melhor, uma sub-vida, um subemprego, um submundo), e vivida sob o peso da velhice que chega logo aos vinte anos, sim, dos vinte aos sessenta se leva a mesma vida, tem-se o mesmo rito diário: acordar às 5:00 e chegar em casa às 21:00, do Parque Sta. Madalena até a lanchonete Alvorada do Norte na Rebouças. Não há escapatória. 
Talvez o que pudesse mudar durante esses quarenta anos de velhice antecipada fosse o endereço de periferia da sua casa ou logradouro central do seu trabalho.
Apesar de acostumado com uma existência de limbo e cansaço, não escondeu sua frustração com a morte, chegou a imaginar vagamente que ao menos teria um pouco de descanso. O fato é que a morte lhe causava fadiga, e fadiga era uma sensação constante quando esteve entre os vivos. E nisso, agora morto no limbo se tem o mesmo de quando se vivia o cotidiano de horários extensos, ônibus e aluguel pesado num lugar distante. As suas lembranças ou lampejos de memória eram sempre de uma vista por trás de um balcão, um caixa, pessoas para servir, sorrisos cordiais, passar troco, cartão, vale-refeição.  
E então o cansaço atravessou as dimensões, seguira seu fantasma como uma sombra, um cão fiel.
Alguns outros lampejos de recordações eram de um terreno baldio com traves, com pessoas, na maioria crianças, como se fosse um parque com visitantes recreando, todos jovens entre 13 e 25 anos; meninos jogando bola, meninas correndo, brincando, conversando, cheiro de maconha, viaturas da policia, carro do IML, corpo juvenil furado de bala rodeado de gente com o solo de terra nua absorvendo três ou quatro litros de sangue, às vezes rostos estourados onde a parte superior e/ou posterior do mesmo estava arrancada fora e apenas a arcada dentária inferior permanecia compondo o restante da pessoa, campeonatos de várzea, pagode tocando, bate boca, uma cor marrom-alaranjada predominante, céu azul em absoluto e muito bonito, sol ofuscante, poeira, algumas caçambas de lixo com o logo de alguma empresa de coleta concentrando ratos, cachorros e gatos. Uma infinidade de eventos num mesmo cenário sem qualquer conexão entre eles...

domingo, 3 de abril de 2016

Cuspir e partir

Uma hora ou outra sempre vem o soco
Um descuido e pronto
O que resta é cuspir o sangue que enche a boca
O corpo firme sente a pancada e reage
Teima em permanecer inerte em sua posição original (de pé)
A dor vem em instantes
Agora, o sujeito lamenta o erro
O vacilo
O chão não vai acalentá-lo
O sujeito sabe bem o gosto da queda
Mas o tombo é inevitável
Agarrando-se as cordas
No meio de toda aquela angústia com aparência de resistência
Exposto em toda sua fragilidade
O pânico acena
Aponta pra baixo
Indicando a proximidade do inferno
O seu maior desejo é a morte
Só a morte pode livrá-lo da derrota
A morte não veio
Há apenas vida e socos
Socos trocados, a vida... 

A Raiva,
Sempre amiga nos segundos instáveis,
O abençoa
Dá-lhe força e graça
A cólera,
Com muita humildade lhe estende a mão
O levanta como um amigo exemplar
O ódio,
lhe oferece ternura
O abraça e...
Depois sussurra uma ordem de ataque
A dor evapora do seu corpo como um espírito maldito
Ele parte com alegria
Vomita a esperança e o medo
Cego de fúria
Leve como uma nuvem chumbo
Que escarra raios sem verter água

Sabe que nada é divino,
maravilhoso,
sagrado ou misterioso...

As sequelas como guia
Mantendo a raiva aconchegante
Sem luto
Nem melancolia.





sábado, 17 de outubro de 2015

Sísifo de Puma Disk

É sempre difícil não ficar meio enjoado  ao andar um pouco na rua pensando nisso. Você sente aquela ânsia de vômito como se tivesse engolido uma tufa de cabelo.

Passei a ter esse tipo de repulsa depois de uma tarde que eu saí pra espalhar uns currículos, tava precisando de uma grana pra me mudar pra um lugar mais próximo da faculdade no centro.

E essa sensação acabou marcando aquela tarde: Bom, eu me lembro de ter parado numa banca e comprado um Amarelinho* (tinha um real em moeda no bolso), acabara de subir a Rebouças  a pé, tinha ido numa entrevista e deixado um currículo pra uma vaga de atendente de caixa num boteco desses “bar e lanchonete” que vende PF bom e barato e salgado
por R$ 3,00, acho que o nome era  “Bar e Lanchonete Alvorada do Norte”.

Próximo da banca onde comprei o Amarelinho* tinha umas mesas, umas kombis vendendo lanches (food truck), era umas 15:00h, tinha um sol bonito e fazia um frio na sombra por causa do outono. Tinha um lugar numa mesa que recebia um sol, daí me apressei e fui pro tal lugarzinho ensolarado que restava, me lembrei que ainda nem tinha almoçado, tinha pouco mais que cinco reais no cartão de débito, era tudo o que me restava pra passar o dia. Como estava numa praça de foodtruck, a grana que eu tinha só dava pra comprar um churros.

Esqueço-me do fato de não ter almoçado e recobro a atenção nas vagas de empregos anunciadas no jornal, bom preciso no mínimo de alguma coisa que me pague R$900,00 por mês com VR+VT, não precisa de plano de saúde, certamente nem vou usar.

Deslizo o indicador sobre a página amarela de papel reciclado, estaciono o dedo ainda na letra “A” , é uma vaga para auxiliar de estoque, de repente um garoto pára do meu lado.

-Moço, paga um lanche pra mim? Eu ainda nem almocei!

-Cara, eu não tenho. Desculpa!

O menino  foi embora, andava com ele mais quatro moleques mais ou menos da mesma idade, tinham pouco mais que uma década, entre 11 e 14 anos... Pediam a todos que estavam naquela espécie de praça de alimentação. Eles faziam uma varredura, passavam em cada mesa que estivesse alguém sentado, era um tipo de tarefa que eles realizavam afim de atingir um meta de trocados ou comida pra suprir o dia, por analogia percebi que eles estavam fazendo a mesma coisa que eu. Eles só estavam tentando arranjar alguma grana para viver de um modo suportável. É claro que não pensei no grupo de garotos por caridade, bondade ou justiça humana, ou qualquer outro senso de dignidade... só vi que realmente estávamos igualados no modo de agir e de sustentar a vida morna que nos cabia viver.   Aliás, não apenas morna como decadente, sem nexo...
morna de tal modo que o imperativo do dia era conseguir dinheiro pro almoço, decadente de tal modo que a entropia* se fazia presente e muito real, os anos de esperança já escorreram pelo ralo do tempo, já tenho 26 anos e não posso mais contar com ninguém para ajudar nas despesas e dívidas que se acumulam, não que eu seja um esbanjador, o fato é que não tenho um trabalho digno a oito meses, e as dividas são em maior parte de empréstimos que pedi a conhecidos para pagar aluguel e contas de água e luz. Sem nexo simplesmente de ser absurdo estar vivo e ser obrigado a existir dessa maneira inútil, eu sempre me pergunto: Qual a utilidade de estar vivo dessa forma?

Após a pergunta, ecoa um silencio de morte, uma escuridão indiferente olha a minha face com olhos secos e a testa franzida, como se eu estivesse cometido uma blasfêmia pelo o fato de querer saber a resposta.

Ouço um cara bem vestido, dentro das normas de boa aparência corporativa gritar:

 - Hey! Você já pediu lanche aqui!

O garoto responde
- Eu?

O cara continua:
- É! Você mesmo! Já passou aqui e eu já paguei um dog pra você!

Mas se é para existir, então vamos lá. Naquela tarde o garoto me ensinou muita coisa.

Gloriosamente, o menor de 13 anos se transforma num rei, um avatar de Napoleão cheio de ódio, desprezo, cinismo, alegria e ironia.

Um Alexandre com um corpo de besta e cabeça de leão com cólera.

Elegantemente responde:
-Vá se fuder, seu arrombado!

Era tanto ódio e desprezo naquele coraçãozinho que eu fiquei maravilhado, tive um espasmo de grata surpresa. O garoto de no máximo 50 kg, um Puma Disk velho tamanho 40 (visivelmente bem maior que seu pé), com  pouco mais de uma década de vida, acho que uns 13 anos...

Com muita alegria eu via sair dos olhos do menor, raios de ódio e desprezo por todo aquele cenário,



Continuou a pedir novamente, já esquecido do evento...

sábado, 8 de agosto de 2015

conto veloz de OUTONO



Um boteco da Rebouças e um outro no baixo Augusta
Você não disse nada e quis ficar perto
                

Meu copo de cerveja é o mesmo que o seu

A tua orelha é minha boca num beijo lento
E a tua boca e língua molhadas depois de um gole de cerveja (no nosso copo) vêm feito nave procurando pouso.

Eu me afasto,
Acendo outro cigarro e fico reparando teu brinco.
Enquanto você segura a minha mão e olha pra onde eu não sei.

No momento eu até imaginei que você tenha contemplado o NADA

Só imaginei isto porque o NADA é tão atraente quanto o brinco que você tem na parte superior da orelha

Um clima de calmaria, como se fôssemos cais e velhas companhias um do outro,

Naquele momento, não era necessário dizer nada
Pedir nada;
Se despedir ou falar pra ficar um pouco mais
Isso seria um tiro no vitral daquele momento
Instantes que boiavam no lago dos desejos tranquilos
O único ato cabível de minha parte era
Apenas apoiar tua cabeça no meu ombro
Com a impressão de que não existia tempo capaz de correr
Enquanto sua atitude era a de fechar os olhos e vira-se querendo mais um beijo
Como se quisesse ter certeza de que ficaria ali presente
                                                                                                                                   

...Era tudo calmo, inclusive os teus olhos de sono.

sábado, 8 de novembro de 2014

Não crie dinossauros ou qualquer outro animal que seja maior que seu quintal

MEU rosto de juvenil quando, eu concentrado, vejo a língua dela tocando os dentes enquanto ela pronuncia o "S", toda a importância das coisas que são de fato importantes como: um emprego, um aluguel barato, deus, o caos, a família, o brasileirão, o cigarro antes de dormir ... enfim, coisa de gente séria como eu, acabam em nada. 




 -ESSAS COISAS VIRAM NADA OU QUASE NADA QUANDO: a língua dela toca devagar os (grandes e pouco tortos) para a pronúncia do "S".

É uma imagem, um flash que me pinica por umas meia horinha enquanto tamo conversando. 

Depois dessa pausa no mundo eu olho o olho, o cabelo, o ombro, os braços, as sardas e finjo como um monólito rude e sujo de terra, finjo como quem que olha o vazio da praça, como quem vê uma bunda qualquer, como quem houve um barulho do nada e vira o pescoço pra ver o que foi, finjo como se estivesse odiando estar ali... e os dentes, língua e o som do "S" dos diabos na minha frente.  
Eu tenho uma destreza/aspereza natural por saber passar por pessoas/tempos como esses, os tais são bichos de força que morde(m) e mata(m)...  e eu já sei do risco menina.

 DELA, o olho(S) e a língua  se vestem de bêbados felizes me tentando à festa, digo "olho" (sing.) porque só basta um pra eu perder uns 9 ou vinte segundos mirando e franzindo testa num estado de ingenuidade que não é o meu natural.

Propositalmente à tarde, eu "me deixo" se perder olhando sardas, boca, olho, língua, ombro, (volto) sardas, língua, olho, dentes tortos ..., é um salto num colchão de estrelas onde se  P   O   D   E   P   A   U   S   A   R  os riscos e os males enquanto a vida corre. 

TEMO pelo meu equilíbrio de fingidor acerca da boca, lingua, dente, ÉSSES, sardas e cabelos, pelo meu controle das rédias das coisas que aumentam, temo que o caldo engrosse pro meu lado.

REZO pra Mayakovski me dar a sabedoria das loucuras do "ser todo coração" porque quero sair vivo no final.

sábado, 13 de outubro de 2012

A tarde que dançava.

Era aquela tarde quente, verde e azul
Uma dessas que costumam chegar com gosto de saudade,
Uma dessas que tem hálito de amanhã,
Uma dessas com voz de silêncio e rosto de morena,
Uma dessa tardes que usam vestidos com estampas coloridas,
E anda como se dançasse uma melodia de Caymmi,
Eu estava dentro dela, percebendo cores, variações, tons bemóis... como se assistisse a um filme,
O sereno do ibisco e um bem-te-vi também a compuseram,
e a compuseram também:
O quarto do fim da rua e a janela que servia de moldura pra ela.