É sempre difícil não
ficar meio enjoado ao andar um pouco na
rua pensando nisso. Você sente aquela ânsia de vômito como se tivesse engolido
uma tufa de cabelo.
Passei a ter esse tipo de repulsa depois de uma tarde que eu saí pra espalhar
uns currículos, tava precisando de uma grana pra me mudar pra um lugar mais
próximo da faculdade no centro.
E essa sensação acabou marcando
aquela tarde: Bom, eu me lembro de ter parado numa banca e comprado um
Amarelinho* (tinha um real em moeda no bolso), acabara de subir a Rebouças a pé, tinha ido numa entrevista e deixado um
currículo pra uma vaga de atendente de caixa num boteco desses “bar e lanchonete”
que vende PF bom e barato e salgado
por R$ 3,00, acho que o nome era “Bar e
Lanchonete Alvorada do Norte”.
Próximo da banca onde comprei o
Amarelinho* tinha umas mesas, umas kombis vendendo lanches (food truck), era
umas 15:00h, tinha um sol bonito e fazia um frio na sombra por causa do outono.
Tinha um lugar numa mesa que recebia um sol, daí me apressei e fui pro tal
lugarzinho ensolarado que restava, me lembrei que ainda nem tinha almoçado,
tinha pouco mais que cinco reais no cartão de débito, era tudo o que me restava
pra passar o dia. Como estava numa praça de foodtruck, a grana que eu tinha só
dava pra comprar um churros.
Esqueço-me do fato de não ter
almoçado e recobro a atenção nas vagas de empregos anunciadas no jornal, bom
preciso no mínimo de alguma coisa que me pague R$900,00 por mês com VR+VT, não
precisa de plano de saúde, certamente nem vou usar.
Deslizo o indicador sobre a página
amarela de papel reciclado, estaciono o dedo ainda na letra “A” , é uma vaga para auxiliar de
estoque, de repente um garoto pára do meu lado.
-Moço, paga um lanche pra mim? Eu
ainda nem almocei!
-Cara, eu não tenho. Desculpa!
O menino foi embora, andava com ele mais quatro
moleques mais ou menos da mesma idade, tinham pouco mais que uma década, entre
11 e 14 anos... Pediam a todos que estavam naquela espécie de praça de
alimentação. Eles faziam uma varredura, passavam em cada mesa que estivesse
alguém sentado, era um tipo de tarefa que eles realizavam afim de atingir um
meta de trocados ou comida pra suprir o dia, por analogia percebi que eles
estavam fazendo a mesma coisa que eu. Eles só estavam tentando arranjar alguma
grana para viver de um modo suportável. É claro que não pensei no grupo de
garotos por caridade, bondade ou justiça humana, ou qualquer outro senso de
dignidade... só vi que realmente estávamos igualados no modo de agir e de
sustentar a vida morna que
nos cabia viver. Aliás, não apenas
morna como decadente, sem nexo...
morna de tal modo que o imperativo do dia era
conseguir dinheiro pro almoço, decadente de tal modo que a entropia* se fazia
presente e muito real, os anos de esperança já escorreram pelo ralo do tempo,
já tenho 26 anos e não posso mais contar com ninguém para ajudar nas despesas e
dívidas que se acumulam, não que eu seja um esbanjador, o fato é que não tenho
um trabalho digno a oito meses, e as dividas são em maior parte de empréstimos
que pedi a conhecidos para pagar aluguel e contas de água e luz. Sem nexo
simplesmente de ser absurdo estar vivo e ser obrigado a existir dessa maneira
inútil, eu sempre me pergunto: Qual a utilidade de estar vivo dessa forma?
Após a pergunta, ecoa um silencio
de morte, uma escuridão indiferente olha a minha face com olhos secos e a testa
franzida, como se eu estivesse cometido uma blasfêmia pelo o fato de querer
saber a resposta.
Ouço um cara bem vestido, dentro
das normas de boa aparência corporativa gritar:
- Hey! Você já pediu lanche aqui!
O garoto responde
- Eu?
O cara continua:
- É! Você mesmo! Já passou aqui e eu já paguei um dog pra você!
Mas se é para existir, então vamos
lá. Naquela tarde o garoto me ensinou muita coisa.
Gloriosamente, o menor de 13 anos
se transforma num rei, um avatar de Napoleão cheio de ódio, desprezo, cinismo,
alegria e ironia.
Um Alexandre com um corpo de besta
e cabeça de leão com cólera.
Elegantemente responde:
-Vá se fuder, seu arrombado!
Era tanto ódio e desprezo naquele
coraçãozinho que eu fiquei maravilhado, tive um espasmo de grata surpresa. O
garoto de no máximo 50 kg, um Puma Disk velho tamanho 40 (visivelmente bem
maior que seu pé), com pouco mais de uma
década de vida, acho que uns 13 anos...
Com muita
alegria eu via sair dos olhos do menor, raios de ódio e desprezo por todo
aquele cenário,
Continuou a
pedir novamente, já esquecido do evento...